21 de ago. de 2010

Letras Maiúsculas.

Não permita que matem o seu refrão.
Seja constante na inconstante viagem dos dias, semanas, meses e anos. Reafirme-se diariamente.
Seja autêntico, próprio, faça-se único, presente, necessário...especial.Dispense aprovação alheia e renegue a todo tipo de pré concepção. Dispa-se de preconceitos e formule os seus próprios. Embarque numa exploração sem roteiro e bússula.
Precisa-se apenas de um cálice, uma dose, de um nome iniciado com letra maiúscula, escrito com letra forte, precisa, certeira. Uma inicial a ser lembrada, uma caligrafia pra não ser esquecida. Seja ela legível ou etérea. Comece seu eco pela letra maiúscula, notável e inegável.
Negue aquilo que pareça falso, esquecível, imitável ou impróprio. Seja próprio, seja seu - é isto (e apenas isto), que você possui: identidade. Foi o presente mais precioso (e dúbio) que a eternidade lhe concedeu.
Não o perca, não há segunda via. Não deixe que a vida mate seu refrão:agarre-se ao seu ego, o seu eu, saia de cabeça erguida, com o refrão estampado no peito e a coragem de um nome maiúsculo nos ombros. Sinta o peso de não ser ninguém além de você. Seja agraciado pela desgraça de não haver troca de identidade.
Permaneça na própria e única permanência de uma só alma, um só nome com letra maiúscula. Alegre-se de não ser nada, de ser tudo, de ser coisa alguma, seja um grão de areia,seja um dinossauro, não signifique nada, seja um dicionário inteiro, permita-se ser o micro e o macro. Tome por si uma frase solta, uma sílaba, um desejo, uma idéia, um garrancho, uma poesia, um.. piscar de olhos:não deixe que levem seu refrão.
Seja o refrão sempre e para sempre. Pois é isso que sei que serei- eu e apenas eu- pra sempre. Se isso é bom ou ruim, ainda não decidi.

13 de ago. de 2010

Bis In Idem

Autoflagelação é algo que soa antiquado. Como se fosse uma prática de outrora, há muito esquecida pela sociedade. No entanto, tal costume ainda é revivido por algumas religiões, nas quais os homens e mulheres de fé castigam seus corpos na expectativa de expiar as dores e os pecados de sua alma.

Porém, conheço um processo de autoflagelação ainda mais agressivo. Não contém sangue, carne dilacerada, morte, etc. Pior, seu propulsor é intangível, complexo e praticamente desconhecido: a mente. Quantas vezes já dissemos/ fizemos algo do qual nos arrependemos?

O arrependimento ( ou a culpa) é um vírus que desce dos lábios diretamente para nossas entranhas, contaminando tudo no caminho. Tal virose se espalha depressa, reproduzindo-se em pensamentos como: “não devia ter feito isso”, “acho que magoei Fulano”, ou o clássico “fiz merda!” Gera até mesmo mazelas físicas: sentimos suor frio e dor no estômago, por exemplo. Vale lembrar que os sintomas variam de acordo com o grau e o tipo de besteira que produzimos.

Deixando de lado o aspecto do dolo (se houve intenção), vou me focar em um fenômeno advindo dessas situações: a autoflagelação mental. O processo de infecção acompanha o martírio silencioso que produzimos ao repensar a cena, o contexto e os personagens, apenas para chegar a uma conclusão lógica: “eu podia ter feito diferente!” Novamente, a intensidade desses devaneios é variável.

Assim, há um Bis In Idem, uma dupla punição pelo mesmo crime: aquela feita pela(s) pessoa(s) impactada(s), que certamente vai (vão) nos julgar... Possivelmente, desencadeando a famigerada fofoca... E a outra, despertada por nós mesmos, que consiste nessa tortura mental de atribuição de culpa.

Mas não é necessariamente nossa culpa cometer tais erros. Em primeiro lugar, devemos aceitar um fato que, por mais que soe banal, nos é difícil digerir: somos humanos. É da nossa natureza errar, cometer equívocos de toda sorte. Num mundo regido por Photoshop e aparências, somos compelidos a buscar a perfeição a todo custo, seja ela física, intelectual ou moral.

Em segundo, a sociedade busca o politicamente correto, levando essa premissa da política ao humor. Na atualidade, isso é demonstrável com mais intensidade. Novamente, somos oprimidos a aceitar esse conceito e, toda vez que nos desviamos do padrão, há algo em nós que se contorce em dor e agonia.

Por fim, é necessário compreender que a comunicação depende do interlocutor e do receptor. Aquilo que produzimos corporal ou verbalmente, vai ser interpretado de diferentes formas por diversificados públicos. Achar que todos vão nos aceitar, entender nossas idéias e atitudes, é ilusório. Conforme crescemos e amadurecemos, precisamos estar dispostos a compreender que as pessoas não vão gostar de nós por aquilo que de fato somos, mas sim,porque fazem uma imagem de nós.

Se essa imagem é idealizada ou não, dá pra discutir. Mas tal qual Narciso, o espectador se encanta por um espectro cotidianamente construído a partir daqueles que o cercam. De acordo com a passagem do tempo, tal mistificação pode ser confirmada ou destruída. E cometer erros faz parte disso, permite que conheçamos a nós mesmos e aos alheios, que formarão idéias a respeito de quem devemos ser.

A dupla punição derivada da culpa pode encontrar atenuantes de pena e calmantes de espírito ao reconfortar-se nessas três ( e outras) premissas. Aceitar nossa condição de humanóide, de imperfeição, é o primeiro passo para construirmos nossa identidade, aceitando nossas limitações. Claro, isso não justifica determinas atitudes maldosas, calculistas ou que, deliberadamente, prejudiquem terceiros. Apenas pode nos trazer reconforto quando passamos por situações que sejam, no mínimo, constrangedoras.

A autoflagelação é uma pena suportada por todos, indistintamente. E o fato mais relevante é que nossa mente é um cárcere. A ironia é que o juiz, bedel e preso são representados por nós mesmos.

10 de ago. de 2010

Do arquivo.

Sou aquele que passa por ti,
Todos os dias,
Todas as horas.
Aquele que te observa da Janela
O Inexorável
Sou de todos, de alguém
Sou teu, só teu, de mais ninguém
Feito por ti, desfeito pelo acaso
Desencontros calculados
Dou-lhe o dia e a noite
Sou aquele que te nina nas madrugadas insones
Que conhece teus passos
O responsável por tuas roupas não caberem mais
Por sua boneca estar esquecida
E por tua sorte estar lançada
Encontro-te em todas as esquinas
Embalo-te na tua vida
Sou o inegável, o inesquecível
E o pouco crível me cai bem
Sou da matéria dos Deuses
E da efemeridade humana
Sou um rosto na multidão
Um segundo desperdiçado
Uma lágrima corrida
Sou feito de e por ti
Ou para tua alegria, inconveniência, tristeza
Não importa o que pareça: sempre estou ao teu lado
E não me negues, não me vês, não me sentes
Acaricio teus momentos
E faço a doce ilusão
Com que pareçam ser a Sorte
Não me negues, criança
Sou o Teu Destino
E, fio por fio,
Por você é escrito
O meu conteúdo
E fio por frio,
Escrevo o teu enredo
Não existo sem ti
Sem mim és vazio