13 de ago. de 2010

Bis In Idem

Autoflagelação é algo que soa antiquado. Como se fosse uma prática de outrora, há muito esquecida pela sociedade. No entanto, tal costume ainda é revivido por algumas religiões, nas quais os homens e mulheres de fé castigam seus corpos na expectativa de expiar as dores e os pecados de sua alma.

Porém, conheço um processo de autoflagelação ainda mais agressivo. Não contém sangue, carne dilacerada, morte, etc. Pior, seu propulsor é intangível, complexo e praticamente desconhecido: a mente. Quantas vezes já dissemos/ fizemos algo do qual nos arrependemos?

O arrependimento ( ou a culpa) é um vírus que desce dos lábios diretamente para nossas entranhas, contaminando tudo no caminho. Tal virose se espalha depressa, reproduzindo-se em pensamentos como: “não devia ter feito isso”, “acho que magoei Fulano”, ou o clássico “fiz merda!” Gera até mesmo mazelas físicas: sentimos suor frio e dor no estômago, por exemplo. Vale lembrar que os sintomas variam de acordo com o grau e o tipo de besteira que produzimos.

Deixando de lado o aspecto do dolo (se houve intenção), vou me focar em um fenômeno advindo dessas situações: a autoflagelação mental. O processo de infecção acompanha o martírio silencioso que produzimos ao repensar a cena, o contexto e os personagens, apenas para chegar a uma conclusão lógica: “eu podia ter feito diferente!” Novamente, a intensidade desses devaneios é variável.

Assim, há um Bis In Idem, uma dupla punição pelo mesmo crime: aquela feita pela(s) pessoa(s) impactada(s), que certamente vai (vão) nos julgar... Possivelmente, desencadeando a famigerada fofoca... E a outra, despertada por nós mesmos, que consiste nessa tortura mental de atribuição de culpa.

Mas não é necessariamente nossa culpa cometer tais erros. Em primeiro lugar, devemos aceitar um fato que, por mais que soe banal, nos é difícil digerir: somos humanos. É da nossa natureza errar, cometer equívocos de toda sorte. Num mundo regido por Photoshop e aparências, somos compelidos a buscar a perfeição a todo custo, seja ela física, intelectual ou moral.

Em segundo, a sociedade busca o politicamente correto, levando essa premissa da política ao humor. Na atualidade, isso é demonstrável com mais intensidade. Novamente, somos oprimidos a aceitar esse conceito e, toda vez que nos desviamos do padrão, há algo em nós que se contorce em dor e agonia.

Por fim, é necessário compreender que a comunicação depende do interlocutor e do receptor. Aquilo que produzimos corporal ou verbalmente, vai ser interpretado de diferentes formas por diversificados públicos. Achar que todos vão nos aceitar, entender nossas idéias e atitudes, é ilusório. Conforme crescemos e amadurecemos, precisamos estar dispostos a compreender que as pessoas não vão gostar de nós por aquilo que de fato somos, mas sim,porque fazem uma imagem de nós.

Se essa imagem é idealizada ou não, dá pra discutir. Mas tal qual Narciso, o espectador se encanta por um espectro cotidianamente construído a partir daqueles que o cercam. De acordo com a passagem do tempo, tal mistificação pode ser confirmada ou destruída. E cometer erros faz parte disso, permite que conheçamos a nós mesmos e aos alheios, que formarão idéias a respeito de quem devemos ser.

A dupla punição derivada da culpa pode encontrar atenuantes de pena e calmantes de espírito ao reconfortar-se nessas três ( e outras) premissas. Aceitar nossa condição de humanóide, de imperfeição, é o primeiro passo para construirmos nossa identidade, aceitando nossas limitações. Claro, isso não justifica determinas atitudes maldosas, calculistas ou que, deliberadamente, prejudiquem terceiros. Apenas pode nos trazer reconforto quando passamos por situações que sejam, no mínimo, constrangedoras.

A autoflagelação é uma pena suportada por todos, indistintamente. E o fato mais relevante é que nossa mente é um cárcere. A ironia é que o juiz, bedel e preso são representados por nós mesmos.

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