1 de set. de 2010

Diariamente Meu

As cortinas vermelhas do seu teatro vão se abrir. Vagarosamente, pra criar expectativa, agitando a poeira do palco. Toda esta expectativa para encarar-se a decepção agonizante de um palco engolidoramente vazio.

Mas só até o seu contra-regra autorizar a iluminação. Esta começará precária, tênue, suave. Quase amarelada. E no romper do teu primeiro ato, se tornará firme e autoritária, como se demonstrasse o despertar definitivo de mais um capítulo na sua História.

Vem você, o protagonista. Adentrando naquele espaço com certa agilidade. Meio cambaleante ás vezes, porém sempre retomando seu gingado habitual. Sempre com a mesma graça. Sem nunca perder seu próprio jeito de olhar, mover os pés, sacudir a cabeça ou..sei lá..piscar.

Observo os demais personagens a se locomover e dialogar entre si.Nem sempre consigo juntar os fragmentos de tantos atos ao mesmo tempo.Me esforço ao máximo, na esperança de poder montar um quebra cabeça completo que me leve até o mais amplo entendimento de você.Uma compreensão que só acontece quando montamos um imeeeeenso jogo por completo.Chamo-lhe de quebra cabeça, palavra cruzada,Sudoku, o que for. Intimamente, lhe dou o nome de "Meu".

Dá pra perceber quando você fica desconcertado.É como se a peça toda desmoronasse por algumas frações de segundo, como se o teu ( e por conseqüencia,nosso) mundo fosse embora por completo.Aí, aquela maldita luzinha branca se manifesta, atrapalhando minha visão.É bem irritante aquele feixe no meio da escuridão, como se não houvesse mais nada pra iluminar o nosso íntimo Caos- mesmo que você nem desconfie que eu o assista e partilhe deste horror.

Pois bem.Quando tudo se reestrutura, me alegro em vê-lo descer e subir montanhas, atravessar rios, percorrer vales e baixar pontes.Vejo-o em suas aventuras diárias e fantásticas, sempre arquivando minhas percepções no longo processo que mantenho sobre minhas infames observações.

Só até as luzes enfraquecerem.Acontece quando o meu protagonista adormece.As luzes do teatro se tornam turvas, quase líquidas, esfumaçadas.Os atores, antagonistas e o próprio cenário,todo o conjunto se liquefaz numa nebulosidade monstruosa.E "Meu" deixa o palco, permitindo que o Caos novamente manifeste-se, sob a personificação de um hediondo vazio.

As cortinas se fecham, fazendo um leve ruído, agitando novamente a poeira do palco.Assim elas vão permanecer, até o raiar de um novo dia,até o começo de um novo espetáculo.

Eu estarei sempre ali,na primeira fila.Assistindo,ansiando,adorando ser uma parte-ainda que passiva- do seu cotidiano.

Apenas aguardando o momento de entrelace entre a tua e a minha História. Aguardando o momento de dividir contigo o palco. Esperando a chance de ser outra protagonista, tecendo uma estória paralela com a nossa história. Até esse grande momento, me contento em assistí-lo.

Porque sei que na bilheteria não há nenhum outro ingresso como o meu. Pois não importa sob qual ângulo analisam suas atitudes - para mim, é uma interpretação já conhecida, fantástica, parcialmente comprometida.
É assim que, mesmo sem saber, tua vida se torna minha - diariamente, na platéia.

3 comentários:

  1. ... e como ele deve ficar desconcertado!

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  2. Ldnln: Acho sou muito ignorante pq eu só fiquei pensando na poeira das cortinas... hipnotico...

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  3. É assim que, mesmo sem saber, tua vida se torna minha - diariamente, na platéia. Bri.lhan.te!

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